Um segmento em marcha à ré

Os números mostram que, apesar de um pequeno aumento em relação ao ano passado, a venda de carros novos no mercado interno voltou aos níveis de 2007

A crise afeta toda a economia. Mas, na indústria, talvez o exemplo mais emblemático da redução no consumo seja o de veículos leves. Num país em que muitos planejam e sonham com a compra do carro novo, a realidade está bem distante do sonho. Em 2013, a produção total chegou a mais de 3,7 milhões de unidades. No ano passado, o terceiro consecutivo de queda nas vendas, esse número caiu para pouco mais de 2,1 milhões. Em 2017, é bastante provável que a curva descendente seja, finalmente, revertida. Mas o crescimento do mercado interno ainda é bastante modesto: de janeiro a julho, foi licenciado 1,2 milhão de unidades, alta de 3,4% em relação ao 1,16 milhão do mesmo período de 2016. A má notícia é que, em julho, as vendas caíram 5,2% na comparação com junho. E, no acumulado do ano, o resultado ainda é pior do que o de dez anos atrás – em 2007, o total de licenciamentos no Brasil alcançou 1,3 milhão.

O que deve salvar a indústria automobilística é o mercado externo. Com o real menos valorizado em relação ao dólar, já foram exportadas 439,6 mil unidades em 2017 – o melhor desempenho de todos os tempos e uma alta de 55,3% em relação aos 283,1 mil registrados no ano passado. Com isso, a produção total de autoveículos (veículos leves, caminhões, ônibus e comerciais leves) alcançou 1,49 milhão de unidades nos primeiros sete meses, 22,4% mais do que em 2016. Também em julho, os fabricantes empregavam 125,2 mil trabalhadores – 1,3% menos do que há um ano e bem distante dos 156,9 mil empregados de 2013, o melhor ano do setor.

“O cenário de vendas continua estável e há uma boa expectativa com a melhora de alguns indicadores econômicos”, afirma Antônio Megale, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). “A média diária de vendas continua próxima da casa de 9 mil unidades e, com a queda da inflação e da taxa de juros, acreditamos que o panorama vai melhorar.” É com base nessas informações que a Anfavea aumentou todas as suas previsões para o ano de 2017. Na comparação com o ano passado, a entidade agora estima um crescimento de 21,5% na produção, de 4% nos licenciamentos e de 35,6% nas exportações.

Mercado externo
Já o setor de autopeças registrou, nos primeiros cinco meses do ano, aumento de 16,2% no faturamento das 64 empresas filiadas ao Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças). Juntas, elas respondem por quase um terço do faturamento total da indústria no Brasil. O nível de utilização da capacidade instalada passou de 61%, em abril, para 66%, em maio – mês em que, pela primeira vez desde março de 2014, a oferta de empregos foi superior à verificada em igual mês do ano anterior.

As vendas para o mercado externo também cresceram. Em junho, elas totalizaram US$ 651,7 milhões (4,1% mais do que em maio). Foi o quarto mês do ano em que os números foram melhores do que no mês anterior. Porém, no acumulado de 2017, a balança comercial segue negativa para o Brasil. O total exportado chegou a US$ 3,41 bilhões no primeiro semestre, ante importações de 6,06 bilhões de dólares. Com isso, o déficit nacional com autopeças aumentou 16,6% no período e atingiu US$ 2,65 bilhões. Analistas e empresários acreditam que o setor de veículos e autopeças pode afirmar que a crise chegou ao fim e que os resultados tendem a melhorar. O ritmo, porém, ainda é lento. É como se, finalmente, o motor estivesse novamente rodando em primeira marcha, para a frente. Acelerar forte ainda é um sonho relativamente distante.

O crescimento nas exportações na comparação com 2016 é o que está garantindo a melhora na produção da indústria automobilística

CÉU DE BRIGADEIRO: Em 2016, a Embraer iniciou a certificação da segunda geração do E190-E2. Já há 285 pedidos e 445 cartas de intenção de compra

A caminho do exterior

Embraer e Iochpe-Maxion, as duas primeiras colocadas no ranking, apostam na internacionalização dos negócios como forma de continuar crescendo

Pelo terceiro ano consecutivo, a Embraer é a vencedora do estudo Estadão Empresas Mais na categoria Veículos. Desta vez, seguida pela Iochpe-Maxion, em segundo lugar, e pela Renault, em terceiro. “É importante destacar que 90% dos resultados e 80% de nossos custos são denominados em dólar, o que reduz a exposição da Embraer às diculdades do ambiente econômico brasileiro”, afirma o CEO da empresa, Paulo Cesar de Souza e Silva. “Em 2016, 79,5% da produção e venda da Iochpe-Maxion foram realizadas fora da América do Sul, por meio de nossas 31 unidades fabris em 14 países”, completa seu diretor presidente, Marcos Oliveira. “Alinhar a estrutura de custos no Brasil em função da queda na demanda local e adequar nossa capacidade de atender os mercados internacionais em crescimento foram duas decisões essenciais para atingir os resultados do ano passado”, completa Oliveira.

As dificuldades do ambiente econômico brasileiro não têm afetado severamente essas empresas, que estão em busca de bons resultados em operações e vendas para o mercado externo

No caso da Embraer, outra característica garante que o desempenho financeiro seja menos suscetível às crises e a aspectos conjunturais da economia. “O mercado aeroespacial tem ciclos de negócios de longo prazo – a concepção de uma aeronave, dos primeiros estudos até a certificação final, por exemplo, leva em média de seis a oito anos”, explica Souza e Silva. “Assim, nossos projetos e investimentos precisam ser sempre sólidos e de longo prazo.” Segundo o CEO, a empresa está pronta para iniciar “um novo ciclo de conquistas”, pois conseguiu adequar os custos e as despesas à realidade do cenário. “Os mercados emergentes seguem em ritmo de desaceleração da atividade, mas globalmente também sofremos com instabilidades políticas e econômicas que afetam a demanda”, afirma.

No começo do ano passado, a Embraer celebrou o voo inaugural e o início da campanha de certificação do E190-E2, o primeiro modelo da segunda geração da família de E-Jets da aviação comercial. Desde então, já foram registrados 285 pedidos e 445 cartas de intenção, opções e direitos de compra, totalizando 730 compromissos de companhias aéreas e empresas de leasing. A previsão de entrega das primeiras unidades é 2018. Em paralelo, o avião cargueiro multimissão KC-390 segue em sua campanha de certificação, que deve estar concluída no segundo semestre de 2017. Esta é a maior aeronave já fabricada no Brasil e a aposta da Embraer para crescer internacionalmente no segmento de Defesa & Segurança.

Expandir para exportar
Por sua vez, a Iochpe-Maxion investiu na expansão da unidade de Santo André e construiu uma fábrica em Limeira (ambas em São Paulo) para produzir rodas de alumínio. “Com isso, podemos oferecer produtos mais leves, com maior durabilidade e características funcionais que atendem os requisitos cada vez mais específicos da indústria automobilística, tanto no Brasil quanto no exterior”, afirma Marcos Oliveira. Segundo ele, a estratégia de internacionalização se mostrou muito bem-sucedida no primeiro semestre deste ano. “Apesar da queda na demanda de carros e caminhões observada em todos os países do Mercosul desde 2014, tivemos aumento de 32,1% nas vendas domésticas e de 12,2% nas vendas internacionais, já excluído o efeito da variação cambial.” Com isso, o EBITDA cresceu 14% e atingiu R$ 407,5 milhões no período.

Segundo o diretor-presidente da companhia, a produção automotiva brasileira foi afetada positivamente pelo número de veículos exportados para a América Latina nos primeiros seis meses de 2017. “Nosso grande desafio para o segundo semestre é manter esse ritmo de exportações e começar a observar algum crescimento na demanda doméstica de veículos comerciais.”

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