Navegando em águas paradas
O consumo de energia elétrica, água e gás está estabilizado em patamares baixos – o que garante que não haverá desabastecimento, mas também inibe investimentos
A instabilidade da economia, nos últimos anos, vem afetando diretamente serviços essenciais à população, ao comércio e à indústria, como o abastecimento de energia elétrica, água e gás. Os relatórios divulgados pelas associações de cada setor apontam oscilações constantes, com números de consumo relativamente estabilizados em patamares historicamente baixos. Isso cria um terrível dilema para as concessionárias: por um lado, a baixa demanda garante que não haverá nenhum tipo de “apagão”. Ao mesmo tempo, é consenso que os valores cobrados dos consumidores estão elevados, o que acaba inibindo novos investimentos.
Augusto Salomon, presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), destaca que maio foi o segundo mês consecutivo de alta na demanda por parte da indústria – fato que não era observado desde janeiro de 2016. “É importante registrar que, em maio, o crescimento do consumo total de gás foi de 13,4% em relação ao mesmo mês do ano passado, mas não podemos ignorar o fato de que a base de comparação é muito baixa, por causa do mau desempenho da economia em 2016”, afirma ele. Ainda segundo Salomon, o aumento constante da base de clientes residenciais, graças à expansão da rede de distribuição, também faz com que os números do setor melhorem gradativamente. O total de clientes residenciais passou de 2,8 milhões, em dezembro de 2015, para 3 milhões no final de 2016, crescimento de 8%. Mas ele reconhece que “o consumo nos últimos anos ficou abaixo do esperado, por conta do cenário de instabilidade política e econômica que reduziu a demanda, especialmente da indústria, a maior consumidora”.
Na opinião do presidente da Abegás, não há risco de desabastecimento, pois as principais fontes de suprimento – tanto as que têm origem em território nacional como as importadas da Bolívia – garantem fornecimento e, além disso, a oferta pode aumentar com a produção do pré-sal. No entanto, ele ressalta que as perspectivas“só vão melhorar de fato se forem promovidos ajustes regulatórios e infralegais necessários”. Essa sensação de incerteza é compartilhada por Alexei Vivan, diretor presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE). “O modelo brasileiro para o setor está esgotado e precisa ser revisado”, diz. “Estamos sofrendo com excesso de processos judiciais, que levam à insegurança e imprevisibilidade que impedem qualquer projeto de investimento.”
De volta aos trilhos
Ainda segundo ele, a insatisfação atinge todos os segmentos: geração, distribuição, comercialização e consumo. “Novas regras são essenciais para recolocar o setor elétrico nos trilhos e permitir investimentos necessários para atender a demanda quando a economia se recuperar.” Vivan garante: se não fosse a crise, não haveria energia suficiente no País. Os números consolidados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que, em maio, houve aumento de 1,6% em comparação com o mesmo mês de 2016. No acumulado dos 12 meses, a alta é de apenas 0,6%. E o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (NUCI) da indústria ainda está em 74,7%.
Na avaliação do diretor da ABCE, as tarifas estão elevadas para os consumidores em decorrência da decisão de usar a tarifa para promover políticas públicas. “Por outro lado, o valor cobrado não tem sido suficiente para impulsionar investimentos das concessionárias, considerando a remuneração após descontados custos não gerenciáveis, custos gerenciáveis eficientes, tributos e encargos.”
Apesar do cenário recessivo, em 2016 as concessionárias de gás aumentaram em 8% o total de casas ligadas à rede
Com as turbinas a toda potência
Investimento contínuo, novos produtos e planejamento de longo prazo levam empresas a bons resultados
O ranking Estadão Empresas Mais traz, mais uma vez, uma companhia de energia elétrica como a campeã do setor de Utilidades e Serviços Públicos. A novidade é que a vencedora deste ano é a Engie. Maurício Bähr, presidente da Engie Brasil Energia, acredita que um conjunto de fatores contribuiu para o bom desempenho da empresa no ano passado. “Colaboradores engajados e comprometidos, estratégia diversificada de negócios, foco na melhor alocação de capital e visão ética e socialmente responsável”, conclui o executivo.
Visão estratégica, abertura para outras oportunidades de negócios e expansão da infraestrutura são algumas características das líderes do setor
O parque gerador da companhia inclui hidrelétricas, termelétricas, centrais de biomassa e usinas eólicas e solares, num total de 32 unidades em 13 estados brasileiros. A mais recente é a hidrelétrica de Jirau, a quarta maior do País. Inaugurada em 16 de dezembro do ano passado, tem 50 turbinas em operação e capacidade de gerar 3.750 megawatts, energia suficiente para abastecer mais de 10 milhões de residências. “Ao mesmo tempo diversificamos nosso portfólio, com foco em energia renovável”, destaca Bähr, que dá como exemplos dois novos projetos: a usina eólica de Campo Largo, na Bahia, e a solar fotovoltaica de Assu V, no Rio Grande do Norte.
Iniciativa semelhante foi o contrato assinado, também em dezembro passado, para instalação de dez painéis fotovoltaicos em mil residências de Santa Catarina, que totalizarão 2.600 kW, mais da metade do que era gerado no Estado. No primeiro semestre deste ano, a Engie registrou lucro líquido de mais de R$ 940 milhões e planeja continuar crescendo. “Vamos investir em setores que estão passando por mudanças regulatórias, como o de gás natural, em serviços de eficiência energética e para aeroportos, além de manter a liderança na geração privada de energia elétrica”, diz Bähr.
Na mesma área de atuação, a Itaipu Binacional, terceira colocada no estudo, também teve bons motivos para comemorar em 2016. A produção de energia bateu o recorde mundial, que era da própria empresa – e, pela primeira vez, superou a marca de 100 milhões de megawatts. Segundo Luiz Fernando Leone Vianna, diretor geral no Brasil, isso foi possível porque “tivemos água em abundância e com a regularidade necessária e porque a capacidade produtiva da usina foi superior a 96%, a melhor marca de nossa história”. Com projeção de receita operacional de U$ 3,678 bilhões para este ano, a Itaipu já projeta o final do pagamento da dívida da construção da usina em 2023.
Obras estratégicas
Já a Sabesp, que alcançou a segunda posição, também celebrou a volta das chuvas na Região Sudeste, após dois anos da chamada crise hídrica, que secou os reservatórios e obrigou a empresa a investir pesadamente para impedir o desabastecimento de água em São Paulo. “A Sabesp responde por 27% de todo o investimento em saneamento feito no País (atende 13% da população nacional)”, explica seu presidente, Jerson Kelman. “Em 2016, foram aplicados R$ 3,9 bilhões em obras estratégicas para a expansão da infraestrutura de coleta e tratamento de esgotos, com o início da interligação Jaguari-Atibainha e o seguimento das obras do sistema produtor São Lourenço, bem como a entrega de dez novas estações de tratamento de esgotos no interior do Estado.” Neste ano, a Sabesp chegará a mais de 300 cidades com sistemas de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos totalmente completos. E os investimentos da empresa são visíveis também na despoluição de rios importantes como Paraíba do Sul, Sorocaba e Jundiaí (cujas águas voltaram a ser usadas para abastecer mais de 100 mil pessoas).