Em tempos de cobertor curto

Segmento têxtil e de vestuário manteve-se estagnado em 2016, mas a expectativa para este ano é de melhora

Desde 2014, o setor tem encolhido: a produção despencou, o faturamento diminuiu, milhares de postos de trabalho fecharam e as exportações minguaram. O inverno de 2016 trouxe, porém, um alento. O frio rigoroso causou uma desova do estoque e o segundo semestre do ano viu as importações de matéria-prima crescerem levemente. A retomada tem sido tênue, mas constante. Tanto que o segmento prevê números positivos, embora tímidos, para 2017: aumento de 2% na produção de vestuário, 1% na produção têxtil e também 1% nas exportações e importações.

O faturamento deve começar a se recuperar, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). “Ainda dependemos do resultado da agenda das reformas, mas trabalhamos com um cenário positivo, com possibilidade de melhora no mercado de crédito, inflação em patamar mais baixo, contas externas equilibradas, viabilização do processo de retomada econômica e melhoria do custo de rolagem da dívida empresarial”, explica Fernando Pimentel, presidente da entidade.

Segundo o executivo, entretanto, o cenário ainda é bastante incerto por causa da instabilidade política e institucional do País, da elevada taxa de desemprego e consequente redução da massa salarial e do consumo das famílias, além dos problemas fiscais da União, Estados e Municípios e da baixa taxa de investimentos que, em sua avaliação, ainda deve demorar a voltar a patamares razoáveis. Em 2017, a Abit estima que os investimentos do setor fiquem em torno de US$ 520 milhões, ainda bem distantes do montante de 2014, que somou cerca de US$ 1 bilhão.

“O governo está mais preocupado em se manter no poder do que fazer as reformas e a recente elevação de impostos foi muito malvista. O dólar atual está mais favorável para a importação, mas tudo pode mudar por causa do quadro político. A cada novo episódio, a desconfiança aumenta”, acredita Pimentel. Mesmo assim, a expectativa é positiva. Um aumento de 15% no volume das importações e de 7% no volume das exportações é esperado em 2017.

De acordo com o presidente da Abit, o setor consegue reagir à prolongada crise porque se reinventa todos os dias. Regras de governança, compliance e investimentos em tecnologia estão no topo da agenda e serão o tema do congresso anual do setor, que acontece neste segundo semestre no Rio de Janeiro. “O cenário de competição é duro no Brasil e no exterior e ainda há os desafios macroeconômicos. O Brasil tem que voltar a crescer. Compliance e tecnologia junto com sustentabilidade e inovação são, atualmente, os vetores de desafio que o segmento enfrenta”, afirma Pimentel.

Demanda reprimida
Na avaliação de Marcelo Prado, diretor do IEMI Inteligência de Mercado – empresa criada em 1985 para produzir dados numéricos e comportamentais sobre diversos setores da economia –, 2017 começou melhor do que 2016 porque o 13o salário não foi somente usado para pagar as dívidas, mas também para aproveitar as liquidações de janeiro. “Havia uma demanda reprimida que ganhou força com a queda dos juros, a inflação controlada e o desemprego em queda. Uma parte do FGTS inativo também foi usada para suprir a necessidade de reposição de roupas”, diz Prado.

De acordo com ele, a demanda ainda está baixa, mas a retomada tem sido consistente. “Novos canais de distribuição e modelos de negócios devem ser pensados e desenvolvidos para lidar com um varejo em constante mudança. Esses são os grandes desafios do setor”, acredita.

O faturamento do setor têxtil e de confecção caiu de US$ 53,6 bilhões em 2014 para US$ 37 bilhões em 2016. A expectativa é que, em 2017, chegue a US$ 40,2 bilhões

FAST SHOPPING: Riachuelo foca em um modelo de venda alicerçado na velocidade de compra dos consumidores

Reação rápida aos desejos do cliente

Empresa não olha mais para o passado. Nova estratégia é identficar as peças mais cobiçadas e responder rapidamente ao mercado consumidor

Em setembro de 2016, a Riachuelo mudou seu modelo de varejo. Desde o ano passado, a fast fashion brasileira que ficou em primeiro lugar na categoria Têxtil e Vestuário do ranking Estadão Empresas Mais não usa mais softwares preditivos, alimentados com históricos de venda que fazem os planejamentos para a estação seguinte. A empresa aposta agora em um modelo de venda calcado na velocidade de reação dos seus consumidores. Ou seja, a ideia é variar o máximo possível a coleção, identificar as peças vencedoras, direcionar a produção para esses produtos e replicar o DNA vencedor nos lançamentos seguintes.

Novas tecnologias para gestão do estoque, investimento em pontos de venda e redução de despesa foram a receita para superar os desafios

“Fast fashion é o modelo da reação rápida”, explica Flávio Rocha, presidente da Riachuelo. A companhia, que tem 40 mil funcionários, dispõe do maior parque fabril da América Latina, onde cria, desenvolve e produz grande parte dos seus produtos. Por ano, são lançados cerca de 35 mil modelos, ou seja, quase 100 por dia, que abastecem diariamente as lojas de todo o País. O gatilho da mudança na forma de planejar as coleções, segundo Rocha, foi dado com a inauguração do centro logístico de Guarulhos, o maior investimento da empresa em 2015 e 2016. Graças à tecnologia embutida e aos novos sistemas, foi possível reorganizar a gestão de estoque para um conceito focado na demanda do consumidor, otimizando o espaço de vendas na loja, com muita superfície de estoque, pouca profundidade e reposições diárias no grau máximo. “Foi um esforço de muitos anos e, a partir do primeiro momento, já começou a render dividendos com menor formação de resíduos nas lojas, maior variedade e menor ruptura, menos demarcações e robustecimento das margens. 2017 é o grande ano da colheita”, afirma Rocha.

Mesmo em um período de forte retração do consumo, a Alpargatas, segunda colocada do segmento, viveu um bom ano em 2016 e viu seu lucro líquido crescer 36,2%. Houve aumento de 11,5% no volume de sandálias no mercado interno e a abertura de 29 lojas Havaianas no Brasil e 17 no exterior, totalizando 578 pontos da marca. Juntando as outras marcas do grupo – Mizuno, Osklen, Topper, Meggashop Outlet e Dupé –, são ao todo 698 lojas no mundo. “Tivemos crescimento fora da curva em 2016, mas este ano está mais difícil. O mercado argentino está muito retraído e a venda de Havaianas caiu no Brasil, apesar de as sandálias terem conquistado 3,5% a mais de market share no País no primeiro semestre”, diz Márcio Utsch, presidente da Alpargatas.

Produtos com preços mais baixos, redução de despesas e promoções nos pontos de venda têm sido as estratégias usadas pela Alpargatas para lidar com o período de crise. “Continuamos a investir pesado em marketing, razão pela qual atribuo o aumento do market share das Havaianas, e no treinamento dos nossos funcionários”, diz Utsch.

Em 2016, a Calçados Beira Rio, terceira colocada, produziu 85 milhões de pares de calçados, um resultado 15% maior do que no ano anterior. “Todos esses números foram conquistados em um cenário em que a produção nacional avançou pouco mais de 1% no período. Temos como foco a credibilidade de nossas marcas e o design dos produtos”, explica Maribel Silva, diretora comercial e de marketing da Calçados Beira Rio. Os 25 mil postos de venda nacionais renderam à empresa um faturamento de US$ 626 milhões em 2016, 8% superior em relação ao ano anterior. A estratégia da marca para o crescimento foi evitar o aumento de preços e ir atrás de consumidores nas regiões que foram impactadas pelo bom desempenho da agropecuária. Os principais avanços da companhia foram registrados no Centro-Oeste, em São Paulo e na Região Sul.

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