Economia dá sinais de reação
Após dois anos seguidos de recessão, tendência de queda é revertida. As perspectivas são de que o Brasil volte a crescer a partir de 2018
Durante o evento de premiação Estadão Empresas Mais, ocorrido em meados de setembro, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou ao empresariado presente ao encontro que o Brasil deve crescer 2,7% no quarto trimestre deste ano em relação a igual período de 2016 e que este dado é mais uma prova de que a recuperação da economia é nítida. Meirelles acrescentou que, comparado ao terceiro trimestre do ano, o crescimento deve ser de 3,2%. “Isso significa que estaremos entrando em 2018 com um ritmo de alta do PIB de 3,2%. Tivemos uma queda de 3,6% no ano passado, então, um aumento de 3,2% é bem substancial”, afirmou o ministro da Fazenda.
“O Brasil teve dois anos seguidos de recessão. A última vez que isso ocorreu foi em 1931 e 1932.” Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings
O otimismo de Meirelles ainda não encontra eco em todo o mercado brasileiro, mas existe um sentimento geral de que os índices de desempenho da economia brasileira parecem ter parado de cair. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou recentemente a Pesquisa Industrial Mensal (PIM) relativa ao mês de junho deste ano. Utilizando o exemplo da indústria, a produção nacional apresentou variação nula (0%) em relação ao mês de maio deste ano. Isso depois de dois meses de crescimento, período em que acumulou ganho de 2,5%. Se comparado com o mês de junho de 2016, o desempenho deste ano mostra expansão de 0,5%, o que representa o segundo resultado positivo consecutivo, muito embora o aumento ano a ano apresentado em maio tenha sido de 4,1%.
Com isso, o índice acumulado nos seis primeiros meses do ano registra incremento de 0,5% no setor industrial. Olhando-se o desempenho nos últimos 12 meses, o que se vê é um recuo de 1,9%, o que não é ruim, já que mantém a tendência de redução do ritmo de queda. Nos 12 meses encerrados em junho de 2016, a queda havia sido de 9,7%. O setor industrial é uma amostra do que vem ocorrendo com todos os setores econômicos e as origens dessa busca pela recuperação estão nos três anos passados. Alex Agostini, economista chefe da Austin Ratings, afirma que uma radiografia dos indicadores econômicos nacionais nos últimos anos mostra onde o País errou a mão. “Tivemos dois anos seguidos de recessão e a última vez que isso aconteceu foi em 1931 e 1932”, afirma. Ele ressalta ainda que, levando-se em conta o ano de 2014, cujo crescimento foi próximo de zero, tem-se praticamente três anos de paralisação ou queda. “Não há histórico semelhante em nossa história”, compara.
Assim como não houve ano que tivesse sido mais complicado para a economia do que 2016, Agostini soma fatores como o cenário extremamente hostil para as empresas, por conta da competitividade trazida pela globalização e da turbulência causada pelo processo de impeachment. “Tudo isso transferiu aos investidores um ambiente negativo para os negócios. Além dos prejuízos, o que se viu foi uma cautela trazida pela redução dos investimentos”, diz, citando a Petrobras como exemplo de vítima da soma de todos esses fatores: as ações da empresa despencaram de quase R$ 40 para R$ 5 nos últimos três anos.
Todas estas razões levaram ao agravamento da crise. Em 2016, o Brasil chegou a 14 milhões de desempregados no mesmo momento em que aumentava o endividamento das famílias, reduzia-se o crédito e o preço das commodities agrícolas caía por conta da desaceleração do mercado chinês. “Tudo isso também impactou a gestão de caixa das empresas e o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) deixou isso evidente”, completa Agostini.
Recuperação futura
Passado o furacão, 2017 tem sido o ano da retomada do fôlego. Meirelles faz questão de afirmar. “Saímos da recessão mais longa de nossa história e estamos no início de um novo ciclo de crescimento sustentado”, diz o ministro da Fazenda. Para ele, o governo também tem de continuar a fazer a parte dele. Entre as decisões que devem alavancar o mercado estão uma redução do papel do Estado na economia, as reformas microeconômicas que devem criar ambiente mais favorável aos negócios e as reformas estruturais que vão aumentar a produtividade. “O novo ciclo será caracterizado por longa duração e baixa volatilidade”, afirma Henrique Meirelles.
Em tom menos entusiasmado, Nelson Marconi, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP), não chega a discordar do ministro da Fazenda. “A economia brasileira hoje está estável no fundo do poço”, compara Marconi. O que o mercado vem sentindo é que a economia parou de apresentar queda. De acordo com o professor, todos os indicadores de níveis de atividade vêm mostrando o mesmo comportamento, exceção feita apenas ao agronegócio e à indústria automobilística, por causa das exportações.
“Mas, se olharmos os dados de emprego, a evolução está ocorrendo fora das regiões metropolitanas, onde há queda, e também na indústria de alimentos”, pontua Marconi. O professor diz que não deixa de ser uma recuperação, ainda que lastreada pela exportação de produtos agrícolas e de automóveis. Para Agostini, da Austin Ratings, o que o mercado está assistindo hoje no Brasil é uma recomposição dos fatores que foram perdidos ao longo dos últimos três anos. “Nossa taxa de investimentos caiu 25,9% nesse período, o que significa que alguns setores podem ter se tornado obsoletos pela queda da demanda”, compara, lembrando que o consumo familiar, que representa dois terços do PIB, caiu 6% no mesmo período. Marconi faz coro e cita o próprio PIB, que nestes três anos caiu 9%.
Mas de onde virá a recuperação? Para Agostini, ela começa a ser puxada pelo agronegócio, que com a safra recorde de 2017 cresceu 15,2% somente no primeiro trimestre deste ano, contra um recuo de 1,1% da indústria e de 1,7% dos serviços. O número ainda está longe do nível de incremento considerado ideal pelos especialistas – algo em torno de 3%. Para chegar a este percentual, o processo de recuperação deve continuar em 2018, quando o PIB deverá avançar cerca de 2%, atingindo os sonhados 3% em 2019. Para Marconi, da FGV, o aumento só não será maior em 2018 em função do cenário político. “O crescimento será retomado quando tivermos um cenário político claro e uma estratégia mais definida para o desenvolvimento”, afirma o professor, para quem o Brasil conta hoje apenas com uma tática de ajuste in acionário, necessário, mas insuficiente.
Agostini concorda, lembrando que o cenário político é hoje o maior obstáculo para a elaboração de panoramas. Ele diz que todas as previsões de retomada do crescimento são feitas levando em conta a redução do impacto político sobre o ambiente econômico. Mais do que isso, que o ambiente político ainda gera uma série de preocupações no setor produtivo, e não seria por causa de uma eventual saída do atual presidente da República.
“O presidente é o que importa menos. O mercado está mais preocupado com a preservação da equipe econômica do que com o presidente. Todos eles estão muito alinhados com a estabilidade fiscal do País, que traz impacto sobre expectativas futuras. Por isso, a grande preocupação é a manutenção da equipe”, afirma. Além deste, há fatores externos de risco, como a possibilidade de uma guerra entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, a desaceleração ainda maior da economia chinesa e o aumento no descontrole dos gastos por parte do governo federal, culminando com a saída da equipe econômica. “Estes riscos devem ser ponderados e são os mais relevantes”, afirma Agostini.
Risco governo
Marconi, da FGV, atribui ao governo o protagonismo de boa parte das ações que podem tirar o País da crise ou aprofundá-la. Ele cita como exemplo a criação de um teto de gastos públicos, mas que não foi acompanhada pelo desenvolvimento de qualquer instrumento de controle. Resultado: os gastos continuam evoluindo, apesar do teto. “Se despesas sobem de um lado, e há um teto, de outro deve haver retração, o que justifica as medidas que estão sendo estudadas agora”, diz.
E aí estaria o risco maior. Marconi acredita que as medidas do governo federal têm partido, em sua maioria, do pressuposto errado. Ele lembra a crença demonstrada pelos representantes do governo de que o ajuste fiscal trará a retomada da confiança, e que esta seria suficiente para a criação de um cenário de crescimento. Para o professor, ao defender esta tese, o governo adota uma preocupação crescente com as condições de produção. “Não é suficiente. Se o empresário não tiver perspectiva de aumento da demanda, não vai investir, não vai contratar mais funcionários”, diz.
Na visão do professor da FGV, há três instrumentos que podem estimular a demanda: investimento privado, investimento público ou aumento das exportações. O primeiro só virá quando a demanda aumentar e as exportações voltaram a crescer quando o câmbio voltou a um patamar razoável. “Do lado público, o governo federal precisa tentar abrir espaço no orçamento, porque é isso que vai levar ao crescimento da arrecadação”, defende.
Enquanto se discutem alternativas, o mercado segue aguardando que esses problemas sejam solucionados em médio prazo e, segundo especialistas, deve manter a cautela para quando a recuperação vier de fato. “Agora é importante negociar as dívidas, reorganizar a produção e estar pronto para, quando o crescimento for retomado, sair na frente. Não é hora de investir em ampliação da capacidade, mas de ajustar, manter a estrutura bem redonda para sair na frente quando voltarmos a crescer”, defende Marconi.
Os efeitos da reforma trabalhista
Em meio aos erros do governo federal apontados pelos economistas, também há acertos. Um deles foi a reforma trabalhista recentemente aprovada e que entra em vigor no próximo mês de novembro. Justamente por causa dela, o economista José Pastore acredita que o ano de 2016 foi histórico e que as novas regras devem reduzir a insegurança jurídica existente nas contratações e também reduzir a informalidade na área trabalhista. “Esta reforma deveria ter vindo bem mais cedo. Desde 1979 pregamos que as partes deveriam ter a liberdade de negociar e que o Estado não deveria interferir”, ressalta. De todo modo, Pastore diz que a reforma veio em um momento bastante oportuno, principalmente em razão da crise, que cria situações como taxa de desemprego elevadíssima de um lado e, de outro, pavor de empregar por parte dos empresários.
Pastore diz que, daqui para a frente, o grande desafio do mercado será compreender bem essa lei, aplicá-la adequadamente e contar com a compreensão do poder judiciário para que as novas regras não sejam contestadas a cada dia. “O grande desafio está na mudança cultural: empregados, empregadores, sindicatos, juízes, todos devem entender bem qual é o espírito e o alcance dessa lei para tirar vantagem de todos os benefícios que ela traz”, afirma.
De todo modo, ele acredita que o primeiro impacto da reforma, já em 2018, será a redução expressiva das ações trabalhistas – alguns juízes estimam redução de até 50%. “Isso é muito importante, porque estamos falando de redução do chamado risco Brasil”, afirma, lembrando que a insegurança jurídica e os custos gerados por essas ações impactam o custo de produção e são repassados para o preço final dos produtos.
Daí para a frente, Pastore acredita em outros efeitos graduais, advindos de temas como a legalização do teletrabalho e do trabalho em tempo parcial, por exemplo. Para ele, tudo isso terá impacto muito saudável sobre a produtividade e, por consequência, sobre o crescimento econômico. Ele ressalta, no entanto, que este impacto será indireto, apesar de importante.
“Nenhuma lei consegue resolver recessão. À medida que a economia for adquirindo força para ativar vários setores, com essa nova legislação os empregadores perdem o medo de empregar, aumentando renda e consumo e ajudando o País a sair da recessão. Ajudar, porque a lei por si só não consegue tirar o País de uma crise séria como a atual”, defende.