Quem usa Spotify conhece o sistema: o usuário indica ao aplicativo algumas músicas e artistas de que gosta. Entra em cena a inteligência artificial, sugerindo bandas parecidas. Ele ouve umas, pula outras e acaba conhecendo – e aprovando ou rejeitando – cantores de que jamais ouviu falar. Meio sem perceber, ganha referências, informação e seu mundo se expande. Pois é exatamente mais essa a tendência trazida pela tecnologia ao mundo bem menos glamouroso dos bancos: o open banking.

Num futuro não muito distante, o correntista poderá, por exemplo, receber avisos de um aplicativo quando estiver gastando além da conta na balada, em relação a seu orçamento. Ou ser alertado que, caso continue com o ritmo de despesas, seu saldo não ficará no azul até o dia 30. A mágica por trás dessa parceria entre a inteligência da máquina e o comportamento do usuário se chama API, como é conhecida a interface de aplicativos que, no caso, conversam diretamente com os dados bancários dos clientes. Após entendê-los e processá-los, dá as sugestões para o que foi programada e permite que a relação com o dinheiro fique mais fácil.

São as APIs que permitem a apps como o britânico Cleo, uma assistente virtual que conversa por meio de um chatbot com seu dono, analisar seus gastos via inteligência artificial e dizer o que ele precisa – ou não – melhorar. Ou ao Yolt ajudar os correntistas do Reino Unido a entender como anda sua vida financeira, depois de juntar e analisar suas contas bancárias. E ainda facilitar o pagamento de contas.

Apesar de o mundo aberto pelo open banking indicar que a relação entre o usuário e seu dinheiro ficará mais amigável, os desafios para implantá-lo são do mesmo tamanho da revolução causada por essa tecnologia. Há desde questões relativas à segurança no compartilhamento de informações – cuja responsabilidade é dos bancos – com os desenvolvedores até saber se o usuário aceitará ou não essa invasão de sua privacidade. Afinal de contas, a sincronização dos dados também possibilitará que os bancos se tornem donos de um marketing altamente efetivo, com influência direta nos correntistas.

Apps já analisam gastos – e dão conselhos aos clientes – usando inteligência artificial

Outro lado altamente relevante, é claro, é a diminuição do poder relativo dos bancos de varejo, com o aumento da oferta de serviços financeiros disponíveis. “Haveria mais competição entre os bancos e as taxas iriam baixar”, diz Marcelo Ranieri, economista e professor do Mackenzie. “O correntista vai organizar melhor sua vida financeira, mas ainda falta regulação para isso tudo.”

Regulamentado na Europa desde 2015, o open banking começa a dar seus primeiros passos no País. O Banco do Brasil, por exemplo, anunciou sua entrada na área por meio de uma parceria assinada com a startup de sistemas de gestão Conta Azul, em 2017. Destinada a pequenos e microempresários, a ferramenta ajuda-os a controlar suas contas corporativas em qualquer lugar que estejam. Seus pagamentos e recebimentos ficam disponíveis na nuvem e, portanto, podem ser acessados de qualquer navegador, como um Googledocs ou o Facebook. Caso as vendas sejam feitas por meio do aplicativo, assim que forem registradas, entram automaticamente no sistema de gestão.

A ideia é facilitar os controles de quem vende parcelado, por exemplo. Ou permitir que funcionários responsáveis pela gestão, sem acesso à conta bancária, acompanhem entradas e saídas. “A Conta Azul pede autorização ao nosso cliente para acessar essas informações”, afirma Marco Mastroeni, diretor de negócios digitais do Banco do Brasil. “Todas as interações são feitas dentro do ambiente do banco e do software da Conta Azul.” Hoje, o BB tem 4,4 mil contas integradas ao Conta Azul. Pouquíssimo, já que o banco tem mais de 500 mil clientes corporativos. De acordo com Mastroeni, porém, o processo está só começando.