Foi em 2006 que o australiano Brett King tentou convencer o conselho do HSBC de que o futuro dos bancos estava no celular. Sua ideia era que, mais do que o peso das instituições em si, o que teria valor para o cliente seria a qualidade dos serviços – e, nos aparelhos móveis, as possibilidades eram infinitas. Apesar de acreditar que tenha sido entendido por alguns conselheiros, ele bateu num muro de resistência relativamente compreensível. Afinal de contas, à época, celulares inteligentes eram luxo de poucos. De lá para cá, King provou sua tese e se tornou futurologista, autor de best-sellers sobre o futuro dos bancos e apresentador do programa de rádio Breaking Banks, ouvido por 3,6 milhões de pessoas, em 140 países. Foi consultor da gestão Barack Obama para o setor bancário, é palestrante em diversos centros de pesquisa, entre eles a Singularity University, e fundou a startup de pagamentos bancários móveis Moven, que fatura US$ 200 milhões e cujo aplicativo é usado por mais de um milhão de pessoas. Para ele, vivemos o fim do mundo dos bancos como o conhecemos, como explica a seguir: 

Há mais de dez anos, o senhor já defendia que o futuro dos bancos seria no celular, o que, de fato, vem acontecendo. Qual é o próximo passo?
Os bancos se tornarão mais integrados ao mundo tecnológico. A grande diferença não estará nos produtos bancários que temos hoje, mas nas experiências. A tecnologia os obrigará a arrancar a complexidade e a oferecer serviços mais rápidos e simples. A estrutura de produtos que costumávamos ter no setor será trocada pela pura utilidade bancária, por meio da tecnologia. Assistentes virtuais de voz e realidade virtual aumentada são exemplo da evolução desse modelo. Isso vai mudar muito a estrutura das organizações, o jeito como pensamos, o custo de aquisição. Não é só sobre adicionar tecnologia, é uma mudança bastante significativa da perspectiva do desenho de como os bancos funcionam.

Os bancos terão uma imagem mais amigável para o consumidor?
Temos novos competidores entrando na briga e crescimento rápido de provedores de serviços financeiros, que são basicamente empresas de tecnologia escalando muito rápido. Os pagamentos na China, por exemplo, são dominados basicamente por duas empresas de tecnologia intensivas financeiramente, o Alipay e o WeChat. Quando se olham transferências e pagamentos entre países, empresas como a TransferWise estão crescendo muito, muito mais rápido do que competidores tradicionais do setor financeiro. O crescimento que está ocorrendo vem de provedores de serviços financeiros não bancários. No futuro, os serviços serão mais e mais entregues pela tecnologia do que por bancos. Eles terão de melhorar sua utilidade e confiança para competir nesse mundo porque os novos concorrentes têm como vantagem a experiência com o serviço. O novo benchmark deixará de ser a confiança num banco porque ele tem uma licença para funcionar por algo ligado à experiência e à recomendação dos amigos.

Nos países em desenvolvimento, especialmente na África, é comum a população ser bancarizada pelo celular. O mesmo pode acontecer com as empresas em países como o Brasil, em que o mercado de crédito corporativo é relativamente restrito?
Nos EUA, a Amazon está profundamente envolvida nisso, bem como outros competidores como o Uber, que está oferecendo bancarização pela plataforma para motoristas ou leasing de carros. Vamos começar a ver negócios que precisam de plataformas, como comércio eletrônico ou marketing, oferecer crescentemente acesso a serviços bancários, que estarão dentro de suas próprias estruturas. Amazon, Apple, Linkedin e Alibaba são empresas que, imagino, competirão pelos clientes corporativos dos bancos no futuro.

Será o fim do mundo dos bancos como o conhecemos?
Em 15 ou 20 anos, muitos dos bancos que temos hoje não existirão mais. Talvez metade deles. Ainda haverá bancos, mas crescentemente ficaremos acostumados a ter acesso à bancarização em qualquer lugar e em outros formatos. Não estaremos necessariamente preocupados com quem entrega a capacidade, enquanto ela estiver disponível para nós. Não pensaremos em quem está por trás, necessariamente.

“Mudanças lentas na regulação vão significar desvantagem competitiva. Se a economia quiser ser bem-sucedida no futuro, o sistema bancário e financeiro precisa ser muito inovativo”

O senhor tem falado com reguladores de mercado mundo afora. Eles têm entendido o que está acontecendo nessa área?
Alguns sim, outros não. Um bom exemplo é como os reguladores estão respondendo às criptomoedas e aos tokens de ICO [inicial coin offering, uma espécie de crowdfunding em que quem participa se torna acionista da empresa]. Se a reação da mídia é torná-los ilegais, sem pensar numa base de longo prazo, os reguladores tendem a pensar que proteger o mercado é uma necessidade. Com o passar do tempo, o regulador é obrigado a mudar: em vez de só proteger o mercado, ele também deve entender que é preciso inovar, de maneira a se manter competitivo. É o caso que aconteceu em Hong Kong, onde a autoridade monetária deliberadamente favoreceu os bancos por muitos anos, restringindo pagamentos peer to peer [transferência entre pares] e outros instrumentos que conduzem à inovação bancária. Depois de alguns anos, ficou claro que Hong Kong havia ficado para trás em relação a Cingapura e à China em termos de inovação, porque eles confiaram nos bancos existentes. Muito rapidamente, no fim do ano passado, a autoridade monetária mudou a direção, permitindo fintechs, sandboxes [ambiente de testes para tecnologia] e licenças. Introduziram todo tipo de medidas muito agressivas e o argumento foi que, se Hong Kong não o fizesse,  perderia sua importância como centro financeiro internacional porque não conseguiria inovar suficientemente rápido. Essa vai ser a constatação de muitos reguladores: mudanças lentas na regulação vão significar uma desvantagem competitiva para o mercado bancário como um todo. Se a economia quiser ser bem-sucedida no futuro, o sistema bancário e financeiro precisa ser muito inovativo.

No Brasil, os bancos têm investido em grandes espaços de coworking que abrigam startups e fintechs, tentando estimular empreendedorismo e inovação dentro de suas próprias estruturas. Isso funciona?
O mercado brasileiro é um dos mais agressivos em relação a isso, eu o conheço bem. É positivo e um jeito de os bancos serem relevantes para jovens profissionais que tentam começar seu próprio negócio. Ajuda também a diminuir a pressão para que eles devolvam algo à comunidade. Também é um bom jeito de estimularem a integração de suas plataformas a essas novas ventures e negócios emergentes porque muitos são baseados em tecnologia. Se os bancos tiverem bons APIs e boa arquitetura de open banking, habilitarão empreendedores e pessoas criativas a pensar novos jeitos de trazer os bancos para esse mundo. É uma boa estratégia. Sozinha, porém, não elimina a necessidade de transformação digital dos bancos em si.