Saúde, solidez e o bom funcionamento do sistema financeiro de uma nação são fatores fundamentais para que os demais setores da economia rodem adequadamente. Afinal, cabe às instituições financeiras, sobretudo aos bancos, permitir que o dinheiro poupado por aqueles que dispõem de recursos para tal — na forma das mais diversas aplicações disponíveis — possa circular e seja emprestado para que pessoas físicas e empresas consigam se financiar no mercado.

Nesse sentido, é impossível imaginar que uma economia possa crescer de forma sustentável sem que o crédito esteja fluindo em condições favoráveis para quem quer investir, empreender, contratar pessoas ou apenas adquirir algum bem.
No entanto, a fim de que os bancos tenham segurança para emprestar sem aumentar substancialmente o risco de calotes, é importante que os fundamentos da economia — tais como a taxa básica de juros, a inflação, o emprego e o consumo — estejam em dia.

Chegado o meio de 2017, apenas parte desse roteiro foi colocada em prática. Mesmo com o Produto Interno Bruto (PIB) voltando a ser positivo após dois anos de queda, reina a incerteza entre especialistas e analistas de mercado, por conta do atual ambiente político do Brasil. E se há algo que o setor financeiro detesta é trabalhar em meio a pouca previsibilidade.
Quando isso acontece, o crédito — de cuja fluidez empresários e consumidores dependem para tomar decisões de investimento ou aquisição — se retrai. Foi o que aconteceu ao longo de todo o ano de 2016 e vem se repetindo em 2017.

No final do ano passado, o Banco Central projetava que o crédito deveria ter expansão de 2% ao longo de 2017. No início de junho de 2017, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) apontou para a mesma direção. A entidade informou que, mesmo diante da crise política, os financiamentos devem crescer entre 1% e 2%.
Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating, avalia que, embora o crescimento do PIB tenha sinalizado uma provável continuidade da recuperação econômica, o impasse político persistente ainda impede maior ousadia dos bancos na hora de emprestar. “A consistência do ambiente econômico é que vai dar essa sinalização. Hoje, os bancos estão financiando com muita prudência e seletividade, o que é correto em termos de gestão”, acredita.

Para o executivo, agentes do mercado financeiro estão preocupados com a possibilidade de que, numa eventual queda do governo, a atual equipe econômica também não se sustente. Rodrigues elenca outro fator que contribui para que as instituições financeiras estejam pisando no freio do crédito. Trata-se das dívidas de grandes empresas. Embora na maior parte já provisionadas, ainda pesam no balanço dos bancos. Alguns desses grupos endividados permanecem em recuperação judicial, como é o caso da operadora de telefonia Oi. Outros colaboraram para agravar a crise política, como a gigante de proteína animal JBS.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, avalia que a turbulência política faz com que as instituições financeiras e os empresários apostem todas as suas fichas na consistência da recuperação econômica, uma vez que, no campo político, não vislumbram soluções de curto prazo.
“Aparentemente começam a surgir sinais de que haja um descolamento entre economia e política, com inflação e juros em queda e dados que indicam alguma recuperação do emprego. É bastante provável que o atual governo chegue até o final basicamente sustentado pelos bons resultados da economia”, projeta.

GENI DA VEZ

Embora a maior parte dos analistas de mercado defenda que os bancos emprestem menos cobrando mais dos clientes para reduzir riscos de calote, a atitude é criticada por outros economistas. Para Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC/SP, os bancos erram quando pisam no freio da concessão de crédito em momentos de desaquecimento econômico, como os vivenciados pelo Brasil ao longo dos últimos anos.
“Se as instituições financeiras ofertassem mais recursos, certamente a economia demoraria menos para reagir à crise”, acredita Lacerda. “Com esse dinheiro, seria possível estimular um novo ciclo de consumo no País.” A pergunta inevitável: mas isso não poderia gerar um novo aumento de inadimplência? “O que causou endividamento foram as altas taxas de juros cobradas, que vão muito além da Selic, a taxa básica, e não uma suposta abundância de crédito”, responde o professor da PUC.

Lacerda diz que, como os bancos privados fecharam a torneira dos empréstimos, a solução para injetar recursos e estimular a economia deveria vir das instituições públicas. Mas admite que, atualmente, não há ambiente para que isso aconteça. “Há uma falta de compreensão sobre o papel contracíclico que essas instituições deveriam ter na crise. E o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) virou a Geni da vez”, lamenta o economista.
O banco federal de fomento, bastante criticado por empresários da indústria na gestão de Maria Silvia Bastos Marques, tem o desafio de, agora sob o comando de Paulo Rabello de Castro, ser capaz de fornecer crédito sem privilegiar grandes grupos, algo de que tem sido frequentemente acusado nos últimos anos.

MERCADO SELETIVO DE CAPITAIS

Se conseguir dinheiro por meio de empréstimos bancários está difícil e caro, mesmo com a manutenção do ritmo de queda da taxa básica de juros (Selic), a situação não é tão diferente no mercado de capitais. Se por um lado é importante ponderar que grandes empresas como Petrobras têm conseguido levantar recursos até mesmo no exterior, com instrumentos de dívida, e que gigantes como Carrefour pretendem vender ações na Bolsa brasileira, por outro, não há como ver nisso a regra, mas sim a exceção.

“Em momentos de indefinição, como o atual, há um claro descompasso entre o que as empresas que querem abrir capital esperam receber por suas ações e o que os investidores topam pagar pelos papéis, o que acaba tornando inviáveis muitas ofertas”, diz Michael Viriato, coordenador do laboratório de finanças do Insper.
“A instabilidade econômica faz o empresário pensar dez vezes antes de ir à Bolsa de Valores. Afinal, para ser bem-sucedida, a empresa precisa contar com crescimento econômico consistente para distribuir dividendos aos futuros acionistas”, lembra Nelson Marconi, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV).

A expansão do mercado de capitais é importante não apenas para empresas que buscam recursos para financiar sua expansão, mas também para o desenvolvimento do mercado de intermediários de operações de venda, distribuição, custódia e negociação de ações e títulos de dívida corporativa, como debêntures. Em mercados mais desenvolvidos, notadamente nos Estados Unidos, esse papel é muito bem desempenhado por corretoras e gestoras independentes.
Para Caio Villares, presidente da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord), esse modelo também pode ser replicado no Brasil com sucesso, principalmente se a queda das taxas de juros for consistente e estimular que novas empresas abram capital e negociem ações na Bolsa.

Pelos cálculos do Banco Central , o mercado de crédito deverá ter expansão de 2% ao longo de 2017

“No mercado americano é muito comum a existência de corretoras especializadas em determinados nichos, como o da indústria de óleo e gás. Para que algo parecido aconteça no Brasil, porém, é preciso que exista um número razoável de empresas de um determinado setor listadas em Bolsa”, exemplifica.
Evidência da força do mercado de capitais local foi dada recentemente com a criação da B3, novo nome da antiga BM&FBovespa após anunciar uma fusão com a Cetip, especializada em títulos de renda fixa. A combinação de negócios deu origem, na ocasião, à quinta maior bolsa de valores do planeta, com valor de mercado superior a US$13 bilhões.

PROVA DE RESISTÊNCIA

Quando considerado de forma abrangente, o setor financeiro conta com segmentos que avançam e conseguem ter desempenho bem superior ao da economia. Um caso clássico dessa resiliência pode ser notado com seguros e previdência.
Dados da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg) apontam que o conjunto global (que inclui ramos elementares de seguros, planos de risco e de acumulação, capitalização e saúde suplementar) pulou de 2% para 6% de participação no PIB na última década. Para especialistas, o avanço mesmo diante da crise é sustentado por dois fatores principais: a maior conscientização/educação financeira por parte da população, que passou a buscar produtos de seguros e previdência para proteger patrimônio e renda para a aposentadoria, e um mercado que ainda tem muito espaço a ser explorado.

Coriolano: “Agilidade para adaptar a regulação o momento do País”

Contudo, Márcio Coriolano, presidente da CNSeg, alerta: para desenvolver ainda mias o mercado, o governo precisa usar a regulação para atrair e não inibir a entrada de novos consumidores. Nesse sentido, o País carece, segundo o especialista, de uma regulamentação mais adequada para que os microsseguros __ que têm como foco produtos direcionados aos mais pobres — possam se desenvolver no País. Fomentar esse segmento, dessa forma, seria uma maneira de auxiliar a população estimado em cerca de 100 milhões de consumidores.