Se há uma máxima que tem se confirmado nos últimos três anos, é aquela segundo a qual a crise traz oportunidades de aprendizado. Quando se trata de financeiras – como são popularmente chamadas as sociedades de crédito, investimento e financiamento -, isso vale para as duas pontas do mercado. Afinal, se por um lado as empresas do setor precisaram conhecer melhor o perfil dos clientes para conceder crédito com maior segurança e menos risco de calote, por outro, consumidores, escaldados com a inadimplência, aprenderam que o crédito pode ser um importante aliado, desde que as parcelas do financiamento se encaixem no orçamento mensal.

Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), avalia que a combinação entre maior seletividade em conceder empréstimos e retração do consumo, notada pelas financeiras ao longo de 2016, integra o ciclo natural do crédito.
“Se a economia cresce, as pessoas têm emprego, renda maior; se a inflação está baixa, mais poder aquisitivo e a massa de renda aumentando, há mais dinheiro na praça na mão do consumidor. Ele consome parte à vista e parte a prazo, com a renda futura. Na recessão, a renda futura vira negativa, porque ele perde o emprego. E o crédito se retrai”, diz Tingas.

Números do Banco Central (BC) apontam forte subida na concessão de crédito ocorrida no País a partir de 2004, mesmo ano da criação do consignado com desconto em folha de pagamento. Em um período de 12 anos, a relação crédito/PIB mais que dobrou: saltou de 23,8% em dezembro de 2002 para 55,8% em fevereiro de 2014.

Já por volta de 2012 vieram os primeiros sintomas da ressaca. Com crédito abundante na praça, teve início uma preocupante subida na curva da inadimplência. Isso porque, mesmo empregados e com renda relativamente estável, os consumidores não conseguiam arcar com o pagamento das parcelas dos financiamentos contraídos, que corroíam parte relevante de seus rendimentos mensais.

Maurício Godoi, economista e professor da Saint Paul Escola de Negócios, destaca que o crédito passou por dois períodos bastante distintos no País. De 2008 a 2012, houve a tomada do que se costuma chamar de financiamento produtivo, aquele que é utilizado para comprar um bem, por exemplo. Já a partir de 2013 (em um processo que deve se estender até 2021, nas contas do especialista), o financiamento passou a ser feito prioritariamente para sanar dívidas anteriores.

Diante desse cenário, o governo tentou gerar uma segunda onda de crédito e consumo, com queda da taxa básica de juros pelo BC, que não se sustentou. Resultado: quem já estava endividado complicou-se ainda mais.

A partir daí, segundo Tingas, da Acrefi, bancos e financeiras entraram em outra fase: adotaram cautela e conservadorismo na concessão de crédito, reforçaram a cobrança dos inadimplentes, partiram para a reestruturação de dívidas e foram buscar entender onde estavam errando.

Embora esse pareça o receituário adequado para recuperar a saúde financeira em tempos de crise, nem todas as empresas do setor o adotaram. “Há casos de financeiras que viram na possibilidade de conceder crédito sem exigir garantias a clientes com o nome negativado e à margem do sistema uma oportunidade de ganhar espaço no mercado. E a estratégia deu resultados”, observa Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating.

O processo de amadurecimento e aprendizado deu sinais importantes em 2016. Mas o cenário ainda é desafiador. Embora a taxa de inadimplência do setor tenha se estabilizado e começado a recuar, a redução no volume emprestado fez com que o lucro líquido registrado pelo setor recuasse 35%, caindo de R$ 3,5 bilhões, em 2015, para R$ 2,3 bilhões, em 2016.